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LEI 9.609/98 A LEI DO SOFTWARE
Sancionada no dia 19 de fevereiro de 1998, a Lei 9.609/98, que regula os direitos autorais sobre programas de computador, veio substituir a Lei 7646/87, trazendo diversas implicações para as atividades das empresas de informática e em suas relações com os clientes, as quais, por solicitação do (Sindicato das Empresas de Informática do Rio Grande do Sul (SEPRORS), passo a analisar.
Muita gente pensa que, já que a lei está escrita em bom português, basta saber ler para entendê-la, o que não é verdade. O texto em si é até bastante sucinto, só que, como todas as normas jurídicas, seu real alcance só é vislumbrado quando analisado à luz das regras de Direito, o que é especialmente importante no caso da Lei do Software quando se sabe que não se trata de uma norma isolada, mas inserida em um amplo conjunto de medidas que o Governo Federal, pressionado pelos parceiros internacionais, vem adotando já há algum tempo no sentido da proteção da propriedade intelectual, envolvendo também marcas e patentes, franchising, fármacos, biotecnologia, músicas, obras de arte e direitos literários, tanto assim que, no mesmo dia, também foi sancionada a Lei 9.610/98, que trata do Direito Autoral em geral e da qual a Lei do Software é dependente em grande parte.
A necessidade desta leitura mais abrangente dificulta o entendimento pelo público leigo, ainda mais em se considerando que, no que tange às relações com os clientes, a lei específica deve ainda ser integrada às disposições do Código de Defesa do Consumidor, que é uma norma de hierarquia constitucional e, portanto, com incidência ampla sobre todas as atividades mercantis. Juntar tudo isso e tornar claro para os empresários, portanto, não é uma tarefa fácil. Mas vamos tentar desembaraçar o novelo, por tópicos:
1. PRINCÍPIOS GERAIS DA NOVA LEI
Muitos dos empresários de Informática são ainda jovens, mas aqueles com mais de 30 anos certamente devem ter ouvido falar em "reserva de mercado" na área de Informática, um delírio de generais de pijama que, a pretexto de alavancar a produção de tecnologia nacional, foi responsável por uma verdadeira década perdida para o Brasil e seus consumidores que, como sempre, pagaram o pato. Tenho raiva desta turma sempre que lembro que, nos idos de 1985, paguei quase seis mil dólares pelo meu primeiro PC-XT nacional.
A reserva de mercado dava poderes ao Governo de controlar toda a produção e comercialização de bens e serviços de Informática. Acredite ou não, só podiam ser vendidos no Brasil softwares que não tivessem similares nacionais, não importando que estes fossem umas carroças ou que custassem cinco vezes o preço dos importados. O controle era feito através de um cadastro da Secretaria Especial de Informática - SEI (atual SEPIN, do Ministério da Ciência e Tecnologia), sem o qual nenhum produto poderia ser vendido em território brasileiro.
Como se sabe, este foi um caso típico de lei que não "pegou". A solene desconsideração do mercado obrigou o Governo a ir abolindo aos poucos esta exigência, através de portarias e regulamentos, tanto assim que, para produtos de microinformática, desde 1996 não existia mais o famigerado cadastro da SEPIN, embora o preceito legal ainda estivesse vigente, na Lei 7646/87.
Havia também regras bizarras para o processo de importação de softwares, mesmo quando autorizada. Uma delas previa que o pagamento do fornecedor externo só poderia ser ajustado a preço certo por cópia e a remessa correspondente só poderia ser efetuada quando as cópias fossem efetivamente vendidas em território nacional. Mais: para contratar o câmbio e fazer a remessa, o distribuidor local tinha de apresentar ao Banco Central cópias de todas as notas-fiscais de venda ao consumidor final.
Este calvário todo acabou. Com a revogação da Lei 7646/87, o regime atualmente vigente no país na área de software é o da liberdade total de produção, distribuição e importação, observadas as regras aduaneiras gerais. Nada mais de autorizações especiais ou cadastros.
2. DIREITOS AUTORAIS
A Lei 9.609/98 confirmou que a forma de proteção jurídica conferida aos programas de computador é a do Direito Autoral, ou seja, a mesma que abriga as obras literárias, artísticas e musicais. Não por coincidência, a antiga Lei 5988/73, que regulava a matéria, foi revogada no mesmo dia em que foi publicada a Nova Lei do Software e substituída pela Lei 9.610/98. Os efeitos são os seguintes:
Forma de proteção.
Sempre foi assim, mas não custa lembrar: a proteção não envolve a exclusividade da idéia em si ou utilidade de um programa, mas apenas a sua forma de expressão. Deste modo, se um programador desenvolver um inusitado sistema para calcular a curvatura da banana não poderá impedir que outros nerds como ele desenvolvam outros programas para a mesma finalidade, assim como 50 cineastas podem também filmar 50 diferentes versões sobre o naufrágio do Titanic. O que é protegido é apenas a forma escrita, ou seja, o código-fonte.
A nova lei, neste aspecto, perdeu a oportunidade de corrigir um equívoco ao repetir, no artigo 6o , inciso III, a mesma bobagem que a anterior continha: continua informando que não é violação de direito autoral a ocorrência de semelhanças entre um programa e outro por força de suas características funcionais ou observância de normas técnicas, que fazem com que, por exemplo, as telas e relatórios de todos os programas de contabilidade sejam muito parecidas (a forma de apresentação dos balanços é estabelecida em normas técnicas). Ora, dois programas podem realizar funções idênticas e terem até telas iguais, mas é totalmente impossível que dois programadores escrevam dois códigos-fonte idênticos ou muito semelhantes, ainda que para lograr o mesmo efeito, sem que um copie do outro. Seria como se outro advogado fosse escrever sobre a Nova Lei do Software e, por pura coincidência, utilizasse exatamente as mesmas 5.045 palavras que você vê neste trabalho, ainda que suas conclusões pudessem ser essencialmente as mesmas.
Vale, então, dizer: não é porque um programa destine-se a uma função que não tenha como ser expressada de forma diversa que ele possa ser copiado livremente. Podem ser copiados, como quaisquer outros, as telas, os relatórios, as idéias que possa conter, mas jamais o código-fonte.
Direitos morais.
A primeira novidade real é que a lei expressamente afastou a aplicabilidade dos chamados "direitos morais" do autor em se tratando de programas de computador. Resumidamente, estes direitos exigiam, por exemplo, que o nome do autor efetivo de um programa, mesmo quando empregado da empresa produtora, fosse mencionado no registro respectivo e amplamente divulgado no processo de comercialização. Ora, o desenvolvimento de software é geralmente um trabalho de equipe, e se a antiga lei fosse levada ao pé da letra, o nome de cada programador deveria constar na embalagem do produto. Este absurdo, é lógico, jamais foi atendido por qualquer empresa, pelo menos que eu conheça, e agora a lei definitivamente acaba com o problema. Do direito moral, restou apenas uma ressalva no sentido de que o profissional, se quiser, pode identificar-se publicamente como autor ou co-autor de um produto (por exemplo, mencionando esta circunstância em seu currículo), bem como impedir que este sofra alterações que possam, de alguma forma, ofender a sua reputação.
Prazo de proteção.
Antes era de 25 anos e agora passou a ser de 50 anos, contados a partir do dia primeiro de janeiro do ano seguinte ao da publicação ou início da comercialização do produto. Se este não for comercializado ou divulgado publicamente, como por exemplo no caso de programas desenvolvidos como ferramenta de uso interno das empresas, o prazo passa a ser contado da data em que for comprovado o término da criação.
Muita gente acha bobagem tamanho prazo de proteção, tendo em vista a rapidez com que novos produtos entram e saem do mercado. Não é bem assim: cabe lembrar que muitos programas, principalmente para equipamentos de grande porte, sofrem, é verdade, atualizações constantes, mas não são totalmente renovados, conservando por muito tempo grandes trechos da programação original que, não fosse a extensão do prazo, cairiam em domínio público. Veja-se, por exemplo, o sistema operacional DOS, idealizado nos anos 70 e que ainda hoje subsiste em um grande número de aplicações.
Registro.
A nova lei reafirma o que a anterior já dizia, ou seja, que a proteção jurídica ao programa de computador não depende de cadastro ou registro. Como já foi dito acima, o extinto cadastro da SEI não tinha mesmo esta finalidade, existindo um convênio específico com o Instituto Nacional da Propriedade Industrial - INPI para efetuar o registro do conteúdo técnico de um programa para fins de salvaguarda do direito autoral. A lei apenas ratificou os procedimentos adotados na prática por aquele órgão desde 1988, exigindo do interessado o fornecimento de trechos do programa-fonte impressos em papel que considere suficientes para identificação do produto (sobre o processo de registro em si, sugiro consultar meus pareceres anteriores, à disposição no SEPRORS).
Alerto, todavia, que, muito embora não exigido legalmente, na prática, o registro é virtualmente indispensável para fins de proteção jurídica. Como comprovar a data da conclusão do desenvolvimento, senão fazendo o registro? Ou mesmo sua existência, para fins de imobilização contábil? Ou ainda a própria autoria e propriedade no caso de necessidade de medidas judiciais de combate à pirataria?
Empregados e prestadores de serviços.
Continuam valendo as regras anteriores: programas desenvolvidos por empregados contratados especificamente para esta função (programadores e analistas, portanto), presumem-se de propriedade total da empresa, salvo contrato por escrito indicando em contrário. O mesmo vale para autônomos ou empresas prestadoras de serviços de desenvolvimento para terceiros: se não houver ressalva por escrito em contrário, todos os direitos são do cliente.
Esta circunstância é especialmente complicada porque os desenvolvedores, logicamente, não reinventam a roda a cada novo cliente, utilizando cadastros e rotinas pré-prontas, conjunto este de informações que se convencionou chamar "estado da técnica". Se não houver ressalva em contrato, o cliente pode impedir este tipo de utilização ou exigir indenização por uso indevido dos programas, o que ressalta a absoluta necessidade de as empresas trabalharem, sempre, com contratos escritos com seus clientes, onde possam preservar para si estes direitos.
Permanece, ainda, a ressalva de que a regra geral só se aplica quando o empregado for contratado especificamente para participar do desenvolvimento de um sistema ou quando esta seja a sua função natural dentro da empresa. Produtos desenvolvidos por iniciativa do próprio funcionário, sem relação com suas tarefas rotineiras, pertencem exclusivamente ao mesmo, salvo quando este tiver utilizado equipamentos ou outros recursos da empresa, quando, então, haverá co-propriedade entre ambos.
Nesta matéria, a lei inovou apenas acrescentando que, para este efeito, bolsistas e estagiários equiparam-se aos empregados, resolvendo, assim, antiga polêmica a respeito. Mas em pareceres anteriores eu próprio já havia adotado este entendimento, com base na interpretação analógica da lei.
Derivações e modificações.
Para modificar um software já existente ou para criar novas funções ou rotinas para o mesmo, agora é necessário autorização expressa do autor do programa original, disposição que não era clara na lei antiga.
Na nova lei inverteu-se também a presunção de propriedade: as alterações passaram a consubstanciar, por si sós, um produto independente que, pela lei anterior, presumia-se integrado ao programa original se não houvesse disposição contratual expressa em contrário. Agora, a presunção é de que o autor da derivação passa a ser proprietário da mesma, na falta de um ajuste diferente.
A nova redação, no meu entender, não foi feliz. Isso porque é difícil estabelecer, na prática, os limites entre simples alterações corretivas ou melhoramentos corriqueiros e desenvolvimentos mais substanciais, de modo que, se o autor de um programa autoriza terceiro, por exemplo, a fazer manutenção dos fontes, corre o risco de este terceiro vir a invocar propriedade do software como um todo, afirmando que desenvolveu uma "nova versão".
Fica, então, o alerta: de agora em diante, sempre que você for autorizar alguém a mexer em um produto seu, seja lá para o que for, estabeleça com ele um contrato por escrito, ressalvando para si a propriedade intelectual de quaisquer derivações e proibindo sua comercialização autônoma. Quem não tomar cuidado poderá ter muito do que se arrepender no futuro.
Cópias de segurança.
A lei anterior estabelecia que o usuário de um programa legalmente adquirido poderia fazer cópias de segurança do mesmo, sem que isso configurasse violação de direito autoral. Só que não estabelecia limites para estas cópias, dando margem a freqüentes abusos.
Pela nova lei, é permitida apenas uma cópia da instalação ativa, especificando que, no caso de software pacote, a própria mídia original é a cópia de segurança, ou seja: se o fornecedor faz a instalação diretamente na máquina do cliente, ou se este recebe o produto através de transmissão eletrônica, o usuário terá direito de copiar o conteúdo do disco rígido em uma outra mídia externa; caso tenha adquirido um pacote, poderá instalá-lo em uma única máquina de cada vez e não poderá fazer mais nenhuma cópia, já que a mídia original é o backup do produto.
Livros e apostilas sobre o software.
Pode um terceiro escrever um livro ensinando a usar um software (por exemplo, Dicas de Operação do Windows 98), sem pagar direitos autorais ao proprietário? Pode. A lei diz que a citação parcial, para fins didáticos, não configura violação de direito autoral, desde que identificados o nome do produto e seu proprietário.
O uso de informações e referências para fins didáticos não abrange, entretanto, o direito de copiar o próprio software, como fazem muitas escolas de treinamento em Informática...
Integração em outros produtos.
Também é permitida a integração de um software em outro. Você pode, assim, inserir um programa de terceiro como sub-rotina de um produto seu, ou criar uma função macro que automaticamente o ative. Por exemplo, muitos programas utilizam o compactador de arquivos PKZIP no processo de instalação, ativado de forma automática. Você não precisa de autorização especial para utilizar o PKZIP desta forma, mas, é lógico, deverá adquirir legalmente as cópias que vier a integrar no seu produto.
Aluguel de programas.
A rigor, falar em aluguel de programas é uma heresia jurídica, já que propriedade intelectual não é passível de locação, e sim de licenciamento de uso ou cessão de direitos. O que a nova lei quis dizer, isto sim, é que, no caso dos softwares pacote, fica proibida a locação das cópias, ou mais exatamente, das mídias que as contêm. A lei anterior era omissa quanto a isso, fazendo proliferar mercados clandestinos, como por exemplo, de locação de games para computador.
Alugar cópias de programas passou a ser considerado crime, tanto quanto produzir cópias ilegais. A locação só pode ser feita se houver permissão expressa e por escrito do fabricante ou quando cópias legalmente adquiridas forem instaladas em máquinas e estas, por sua vez, forem locadas, de modo que o software, em si, não seja o objeto específico da locação.
3. DIREITOS DOS USUÁRIOS
Prazo de validade técnica.
Repetindo o que a lei anterior já dizia, a nova lei exige que o fornecedor de software indique o "prazo de validade técnica do produto". Mas de que se trata, afinal, este prazo? Muitos confundem-no com prazo de garantia, ou prazo para exercer o direito de reclamação, que não são as mesmas coisas.
A palavra-chave é obsolescência. O prazo de validade técnica pode ser entendido como o período que o fabricante estima para a vida útil do produto no mercado, antes de se tornar tecnicamente obsoleto. Durante todo este período, o fabricante ou distribuidor do produto deve manter serviços de suporte e assistência técnica, gratuitos ou não, à disposição do usuário. Mais: se o produto for retirado do mercado antes de terminar o prazo de validade técnica, o usuário tem direito de ser indenizado.
E qual deve ser este prazo? A lei, a pretexto de adequar-se ao dinamismo do mercado, não diz, deixando a fixação a cargo exclusivo do fornecedor. No meu entender, os lobistas das entidades empresariais, por deficiência de assessoramento jurídico, deram um tiro no próprio pé ao evitar a fixação de um prazo mínimo. Isso porque a lacuna na lei invoca automaticamente o preceito contido no artigo 32, parágrafo único, do Código de Defesa do Consumidor, segundo o qual fabricantes e importadores devem prover serviços e peças de reposição ao consumidor por "prazo razoável, na forma da lei" , mesmo após a retirada de um produto do mercado. Ora, se a lei não disse, serão os juizes que terão de dizer o que entendem por prazo razoável, o que pode significar seis meses para um e cinco anos para outro.
Como fixar este prazo? O critério "razoável" tem a ver especialmente com o preço do produto e sua finalidade. Um game de R$ 50,00 que vier a ser retirado do mercado após alguns meses de comercialização dificilmente trará prejuízo palpável a alguém, ao passo que um SAP R/3 de R$ 1 milhão levará vários anos para ter seu custo amortizado pelo usuário. Neste último caso, se o fornecedor fixar expressamente o prazo de validade técnica do produto em um ano, por exemplo, os juizes, verificando a impossibilidade de amortização do investimento em um prazo tão exíguo, poderão considerar esta fixação abusiva e invalidá-la, já que não existe disposição legal a respeito e o próprio Código estabelece que são nulas todas as disposições contratuais prejudiciais ao consumidor (artigo 51). Siga, então, a doutrina de Confúcio: "no equilíbrio está a sabedoria".
A questão do prazo de validade técnica tem implicações muito mais sérias do que possa parecer à primeira vista, principalmente para duas categorias de empresas: os importadores e os produtores locais de pequeno porte.
Para os importadores, o problema é que tanto a Lei do Software quanto o Código do Consumidor considera-os diretamente responsáveis pela prestação de suporte aos usuários e pela indenização devida no caso de retirada antecipada do mercado. O importador, primeiro, tem obrigação de, ele próprio, colocar o prazo de validade técnica nos produtos, caso não seja indicado pelo fabricante estrangeiro, e de dar suporte técnico ao usuário, garantia esta que dificilmente ele próprio obtém do fabricante. Por isso, minha orientação é de que as empresas somente comercializem ou distribuam no Brasil produtos estrangeiros mediante contratos específicos com seus fornecedores, que lhes garantam fornecimento regular e informações técnicas por um período mínimo. Nada de encher as malas em Miami com qualquer bugiganga para vender aqui, como infelizmente fazem muitos lojistas desinformados.
Para os pequenos produtores locais, a coisa pode tornar-se dramática em determinadas circunstâncias, considerando uma realidade típica do setor no Brasil que é a alta taxa de "mortalidade infantil" entre as empresas, 90% das quais não sobrevivem ao primeiro ano de atividade, segundo dados do SEBRAE. Só que muitas destas empresas, às vezes de uma pessoa só, desenvolvem produtos de alto valor, vendem 1 ou 2 cópias e depois desaparecem do mercado. O que pode acontecer? Vejam só que tragédia:
Primeiro: como visto, se o valor do produto for alto, o prazo de validade técnica deve ser longo, de modo a que o usuário possa usufruir do investimento que fez, suponhamos, uns quatro anos; segundo: se a software-house encerrar suas atividades antes dos quatro anos, deixando de dar suporte ao usuário, deverá indenizar o prejuízo que este teve, indenização esta que compreenderá não só o que foi pago pelo software em si, mas também os gastos em treinamento, além das perdas e danos com eventual paralisação das atividades do usuário; terceiro: a software-house, a estas alturas, não existe mais (faliu ou simplesmente fechou as portas). Resultado: os sócios devem responder pela indenização com seus bens pessoais, sem qualquer limitação, eis que o Código de Defesa do Consumidor, em casos como este, manda desconsiderar a personalidade jurídica da parte que prejudicou o cliente (artigo 18).
A saída para este brete mais uma vez é uma só: um contrato de desenvolvimento ou licenciamento de uso bem elaborado, que estabeleça regras de transição e transferência de tecnologia em caso de cessação abrupta das atividades do fornecedor.
Garantia.
Este é um dos conceitos que, segundo minha experiência, é dos mais desprezados e pior entendidos no ramo de software, tanto por fornecedores quanto por usuários. Façamos uma pequena comparação: você compra um carro zero quilômetro em uma concessionária autorizada da marca, pagando o preço à vista. Na primeira esquina, o motor funde. Você retorna à loja, narra o seu drama e o gerente, todo sorridente, lhe diz que, para este tipo de problema, a empresa oferece um contrato de manutenção pelo qual, mediante um pagamento mensal, você pode ter seu veículo consertado a qualquer momento. O que você faria?
Não, atacar o gerente a mordidas não é a melhor solução. Mas você provavelmente entraria na justiça para exigir o conserto gratuito do carro, pois há um senso comum de que um carro novo deve funcionar sem defeito por muito e muito tempo.
Por que será, então, que as pessoas pensam que com software seja diferente? Ora, se o cliente pagou pelo direito de utilizar um programa, este tem de funcionar para a finalidade a que se destina absolutamente sem erros, sendo obrigação do fabricante reparar qualquer problema que venha a ser constatado sem cobrar nada por isso. Esta é a razão pela qual sempre abominei o termo que o mercado utiliza - "contrato de manutenção", para designar o contrato de suporte ou de atualização técnica permanente de um produto. Suporte é serviço de assessoria para questões operacionais, enquanto atualização técnica consiste em promover alterações no produto que sejam necessárias em função de necessidades do cliente ou por força de lei posterior. De uma vez por todas, por favor, entendam: manutenção ou reparo de software não pode ser objeto de contrato e muito menos de pagamento. É uma obrigação unilateral e gratuita do fabricante, que ele contrai no momento em que fecha o negócio.
E quanto tempo dura esta obrigação para o fornecedor? Depende da natureza do problema: segundo o Código do Consumidor, defeitos facilmente constatáveis, tais como avaria da mídia ou problemas de instalação, podem ser reclamados pelo cliente no prazo máximo de 90 dias a partir da entrega do produto. Mas para defeitos ocultos, tais como mau funcionamento de rotinas raramente utilizadas, ou problemas que aparecem apenas em determinadas condições de uso, podem ser reclamados a qualquer momento pelo usuário, durante o prazo de validade técnica, conclusão esta a que se chega analisando conjuntamente o Código e a Lei do Software.
Curiosamente, a nova redação retirou a referência que a lei antiga fazia no sentido de que o fornecedor ou distribuidor do programa é responsável pela qualidade da fixação do conteúdo lógico na mídia em que o mesmo é fornecido ao usuário. Esta retirada não muda em nada a obrigação, que continua existindo, já que o Código do Consumidor não permite que o fornecedor invoque responsabilidade de terceiros para eximir-se de suas obrigações. Assim, se o disquete ou CD do produto apresentar defeito, você deve trocá-lo, sem qualquer ônus para o cliente, e depois buscar ressarcimento com o fabricante ou distribuidor da mídia.
4. CONTRATOS
Cessão e licença.
A lei antiga dizia, em seu artigo 27, que a exploração econômica dos programas de computador no Brasil seria objeto de contratos de cessão ou de licença. Até alguns anos atrás, a doutrina jurídica brasileira não fazia uma perfeita distinção entre estes dois conceitos, de forma que muitos juristas (inclusive eu próprio) utilizavam indiscriminadamente as duas expressões. Hoje já se sabe: cessão ocorre quando o autor transfere totalmente seus direitos a um terceiro, enquanto licenciamento é mera autorização de uso limitado. Exemplificando: se a Microsoft comprasse os direitos de distribuição do browser Navigator e fechasse as portas da Netscape, teríamos uma cessão; sempre que adquirimos uma cópia do Office para utilizar em uma única máquina, etc, etc, temos uma licença de uso.
No que tange às definições sobre os tipos de contrato, a lei antiga era melhor do que a nova, pois esta última limitou-se a referir, em seu artigo 9o, que o direito de uso será objeto de contrato de licença, ignorando, assim, a figura da cessão, que nem por isso deixa de existir no mundo jurídico. Exemplo típico de trapalhada legislativa.
Software empacotado.
Um avanço considerável da nova lei, entretanto, foi consagrar o que na prática todo mundo sabe: softwares "pacote" ou de "prateleira", tipo Windows, Office, games, etc, não precisam de contrato escrito entre as partes, bastando que o usuário tenha a nota-fiscal de compra e venda para legitimar seu uso. É de posse da nota que o mesmo pode, também, exigir o respeito à garantia frente aos Procon's, conforme prevê o Código de Consumidor.
Quando não se tratar de software pacote, caso de produtos padronizados não-empacotados ou desenvolvidos sob encomenda, o contrato escrito continua sendo exigido, pois somente neste é que as condições de uso, garantia e seus limites podem ser estipulados.
Cláusulas limitativas.
Uma imperfeição de redação da lei anterior (incisos do artigo 27), quando vedava que os contratos de licenciamento ou cessão de produtos estrangeiros contivessem cláusulas que limitassem a produção, distribuição ou comercialização em território nacional, causou dor-de-cabeça aos advogados durante mais de uma década. Na exposição de motivos, verifica-se que a preocupação do legislador era evitar o domínio do mercado por empresas estrangeiras, dentro do espírito da finada política de "reserva de mercado". Tomada literalmente, a redação impedia, por exemplo, que uma empresa estrangeira nomeasse uma nacional como sua distribuidora exclusiva para o país, ou que estabelecesse quotas de vendas, ou ainda, que uma eventual representação comercial fosse exercida, por exemplo, em apenas alguns estados ou regiões.
Sempre entendi que aquela disposição não poderia ser interpretada de forma absoluta, pena de configurar-se uma inconstitucionalidade, já que retirava o direito de livre disposição das partes. Assim, durante quase dez anos elaborei contratos internacionais ignorando aquela restrição.
A nova lei manteve parte da redação, mas esclareceu que estas limitações, agora, aplicam-se somente quando houver "violação das disposições normativas em vigor." Como não existe mais reserva de mercado, só se pode entender que esta disposição vise evitar práticas monopolistas no mercado. No entanto, melhor faria a nova Lei do Software se não dispusesse nada a respeito, na medida em que o país já conta com lei específica para esta finalidade, a chamada "Lei da Concorrência" (Lei 8884/94). Em todo caso, ficamos assim: é livre a contratação com empresas estrangeiras, desde que isso não configure cartel ou implique em prejuízo à concorrência. Em caso de violação, o CADE - Conselho Administrativo de Defesa Econômica, do Governo Federal, é o órgão competente para apreciar o fato.
A nova lei também estabeleceu que são proibidas, nos contratos, cláusulas que eximam o fornecedor da responsabilidade decorrente de defeitos do produto. Disposição redundante, pois repete preceito idêntico ao contido no Código do Consumidor. Redundante, também, a previsão de que o parceiro local de uma empresa estrangeira deva manter em arquivo a documentação relativa às remessas feitas ao Exterior por um prazo de cinco anos, já que isso também está previsto na legislação tributária comum.
5. TRIBUTAÇÃO DE SOFTWARE
A nova lei perdeu uma chance de ouro para dar fim à celeuma da tributação do software, deixando a questão ainda obscura. Durante o processo legislativo, o lobby organizado pelas empresas multinacionais, produtoras de pacotes, chegou a propor substitutivo que dizia expressamente que todo software era serviço, substitutivo este que foi rejeitado por pressão dos estados, interessados na cobrança do ICMS.
Mesmo assim, a nova redação traz elementos que confirmam, pelo menos parcialmente, a tese que sustento já há anos: software pacote é mercadoria e, portanto, sujeito à tributação pelo ICMS. O artigo 9o, parágrafo único, deixa evidente que existem pelo menos dois tipos de negócio distintos nesta área: "aquisição" de cópia e "licenciamento" de cópia. O Supremo Tribunal Federal, em recente decisão, ratificando entendimentos anteriores do Superior Tribunal de Justiça, também entendeu que, no caso dos pacotes, o tributo devido é o ICMS, enquanto que nos desenvolvimentos sob encomenda caracteriza-se uma prestação de serviços, tributável, conseqüentemente, pelo ISSQN municipal.
Resta a dúvida sobre o enquadramento dos softwares padronizados, mas não empacotados, negociados através de contratos escritos de licenciamento do direito de uso. Continuo entendendo, salvo melhor juízo, que sobre estes incidem apenas os tributos federais (veja, a respeito, meus pareceres anteriores, que podem ser solicitados ao SEPRORS).
6. PENALIDADES CONTRA A PIRATARIA
A comunidade de Informática estremeceu quando, já no Senado, o projeto da Nova Lei do Software teve várias propostas de emenda, por parte do Senador Roberto Requião, no sentido de atenuar as sanções contra pirataria, substituindo as penas de prisão por pequenas multas. Todas as proposições, felizmente, foram derrotadas.
A nova lei manteve a disposição básica de pena de detenção de seis meses a dois anos para contrafatores domésticos, isto é, aqueles que copiam software ilegalmente apenas para uso próprio, sem finalidade de lucro, para os quais ficou aberta a possibilidade de conversão em multa; por outro lado, pegou mais pesado com os contrafatores profissionais, os picaretas que oferecem quaisquer programas a torto e a direito por aí a um real por disquete, impondo-lhes pena de reclusão de até quatro anos, acrescida de multa.
Finalmente, o Governo também se deu conta de que perde, e muito, com a pirataria, prevendo expressamente que, no caso da contrafação para fins comerciais, está também caracterizado o delito de sonegação fiscal, o que permite ao Ministério Público agir independente de representação da empresa interessada. A cumulação das penas pode, assim, chegar a até 10 anos de prisão para o criminoso, em casos mais graves.
Quanto aos procedimentos cíveis para proibir o uso indevido de programas ou pleitear indenização, houve poucas novidades. Continuará tudo muito difícil, caro e moroso, em face da necessidade de realização de perícias para as quais existem pouquíssimos profissionais com preparo adequado e mesmo advogados e juizes que entendam um mínimo sobre as questões técnicas envolvidas. Ou seja: vou continuar a arrastar correntes por aí, até resolver me aposentar.